terça-feira, 12 de agosto de 2008

O beijo...



Histórias de pesquisadora I – O Beijo...
2002.Estava eu no meio de uma pesquisa – vida e obra de uma encoberta escritora e historiadora francesa que viveu e atuou (como atuou!) na Resistência Francesa (aquele movimento de repúdio a Hitler e todos os seus desmandos). O nome da corajosa: Edith Thomas. Depois de muita luta, ela se desentendeu com o pessoal do Partido Comunista – ao qual pertencia – e saiu batendo a porta e pisando duro. Escreveu romances, diários, contos, cuidou do Arquivo Nacional de História da França, e morreu completamente esquecida – mesmo na França. A descoberta de Edith Thomas chegou assim: minha grande amiga Cecília achou um livrinho pequenininho dela, de contos, por preço mínimo numa feira de livros. Traduziu. Mostrou-me a tradução e eu comecei a estudar e buscar informações sobre Edith Thomas. Pouca coisa, quase nada. Num belo dia descubro que a Biblioteca da Aliança Francesa da rua General Jardim, centro de São Paulo, poderia ter alguma coisa. Tomei nota das referências que consegui pela internet e lá fui. Abro a porta da biblioteca, chego ao balcão e vejo: a bibliotecária e atrás da bibliotecária “O beijo”. Sem conseguir falar, olhos grudados na foto, senti as lágrimas caindo, caindo, caindo. Contraste entre aquele arrebatamento na parede e todo o resto; contraste daquele arrebatamento vivo e da frase pronunciada por uma das personagens de Edith Thomas: “A felicidade seria para os outros, para o futuro talvez, não para ela, não para agora”;contraste de tudo daquele arrebatamento e da vida comezinha e deserta. E aquele momento de felicidade fixado na parede era de algum instante do passado mas, ao mesmo tempo, era intemporal.A fotografia atravessava as décadas e me atingia em cheio, numa tarde de chuva e frio, no balcão da bela biblioteca da Aliança Francesa,numa rua escura de São Paulo, há milhares de quilômetros e a dezenas de anos da Paris fotografada por Robert Doisneau. Agora, anos depois, mesmo ao descobrir que "O beijo" foi encenado, não esmaece a beleza e o impacto vividos naquele dia.Do futuro, falo com aquela moça do conto de Thomas e segredo, sabendo que ela nunca me ouvirá: "Ainda não para agora, ainda não para mim, infelizmente ainda não". Seco as lágrimas com o lenço de papel, encaro a bibliotecária com seriedade e volto à boa e velha armadura, que tanto me protege: "Por gentileza, estou a fazer uma pesquisa sobre Edith Thomas e encontrei em seu catálogo eletrônico..."

(Informações interessantes sobre esta imagem no blog do português José Carlos Abrantes, em http://educaimagem.blogspot.com/2005/04/o-beijo-robert-doisneau_26.html)

Um comentário:

Ana Cláudia da Silva disse...

Susi,
O beijo do Doisneau rodou o mundo e foi parar na parede da Aliança Francesa - é impactante, mesmo. Encenado, o beijo enternece, mesmo que saibamos não ser real - será o caso da literatura?
Certa vez uma professora me disse que não podemos confiar no que dizem os escritores, porque eles sempre mentem. Mentem bem - é por isso que gostamos deles!
Beijos (mínimos, múltiplos, comuns...)