domingo, 31 de julho de 2011

Silenciosa algazarra

Silenciosa algazarra é o nome do último livro de ensaios de Ana Maria Machado. Estou impressionada pela leitura terminada há duas semanas.
Generosidade. Generosidade e ponto: parece o melhor ponto de partida para uma apreciação sobre "Silenciosa algazarra: reflexões sobre livros e práticas de leitura", lançado em junho de 2011 pela Companhia das Letras. Permite uma vez mais aos leitores um contato com o pensamento que Ana Maria Machado vem construindo ao longo do tempo em torno de temas como leitura literária, literatura e literatura infantil/ juvenil no contexto brasileiro. A partir de Contracorrente: conversas sobre leitura e política, publicado em 1999 pela Ática, a autora escolheu partilhar textos originários de várias de suas muitas intervenções públicas (palestras, comunicações em congressos), que são reunidos, de tempos em tempos, em livros. Silenciosa algazarra é o quinto deles, com quinze ensaios tecidos, em sua maioria, a partir de uma itinerância da autora por vários Estados brasileiros (do Rio Grande do Sul, ao Espírito Santo), pela América Latina (Chile, Peru) e pela Europa (Espanha sobretudo, mas também Alemanha e Itália, entre outros). Embora a grande maioria dos textos tenha como origem a participação da autora em eventos diversos, pelo menos dois dos ensaios se originaram de trabalhos concebidos para a publicação: uma monografia apresentada ao Instituto Goethe por ocasião de um concurso com temática centrada no trabalho dos irmãos Grimm e um texto sobre ilustração brasileira que foi apresentação a um livro de Rui de Oliveira.
O título escolhido para o conjunto aparece mencionado explicitamente em dois momentos: na Introdução da própria autora e no primeiro ensaio, “A importância da leitura”. Importa dizer a respeito que, na introdução, Ana Maria Machado evoca com “algazarra” a lembrança da própria infância, em que a palavra trazia a imagem da alegria espontânea do grupo de crianças de sua família, sendo que, no momento presente, em que reflete sobre leitura e livros, a faz pensar em “estantes de livros com um número imenso de vozes querendo falar, à espera de serem ouvidas, todas com algo a dizer mas sendo ignoradas, [...] um alarido calado à força e uma alegria amordaçada pela ignorância” . A segunda menção ao título, no ensaio de abertura do conjunto, atribui a à atitude da educação brasileira em relação à leitura de literatura a responsabilidade por negar aos alunos (que irão ter na escola, talvez, a única possibilidade de convivência com livros de literatura) o contato com a “algazarra silenciosa e alegre” que permanece guardada nas estantes.
Neste ensaio de abertura e em vários outros, como “Alguns equívocos sobre leitura”, a autora tece considerações baseadas em sua experiência como leitora, professora, livreira, tradutora e autora de livros infantis, descreve experimentos e experiências próprias e alheias, traz a conhecimento dos leitores muito do cenário de bastidores da produção de literatura para crianças e jovens, das questões em torno de circulação de livros e repertórios (escritos e visuais), das relações brasileiras entre produção de obras, sua edição e venda. Em vários outros, revisita sua experiência como autora da geração que participou do chamado “boom” da literatura infantil brasileira, historicizando e refletindo sobre os conjuntos de forças que levaram uma série de autores não ligados ao ensino nem ao trato profissional com crianças a se voltarem para a escrita de literatura para crianças. Analisa parte dos conteúdos tratados pelo grupo formado por Joel Rufino dos Santos, Ruth Rocha, Ziraldo, Lygia Bojunga que, condensados pelo momento político marcado pela ditadura afloraram na literatura infantil, paralelamente ao movimento que então ocorria com a música popular brasileira produzida no mesmo período. Em alguns outros ensaios há reflexões sobre a particularidade e/ou universalidade da produção brasileira dedicada às crianças e jovens vista em relação à sua própria história, polarizada pela figura maior de Monteiro Lobato ou relacionada à literatura universal, como no caso das relações com a obra de Grimm evidenciadas e dissecadas no único texto inédito do conjunto: “Contador que conta um conto faz contato em algum ponto”. Em ”Independência, cidadania, literatura infantil”, Ana Maria Machado mostra a história da literatura infantil europeia, de suas matrizes orais às publicações do século XVIII, sendo que, a partir deste período, inclui o “Novo Mundo” no panorama. Em “Quando os livros conversam: presença de intertextualidades na literatura infanto-juvenil contemporânea” os procedimentos intertextuais são desvendados em diversas obras, inclusive em algumas da própria Ana Maria Machado sendo que, a partir daí a autora aprofunda uma série de questões culturais de extremo interesse.
Do conjunto sobressai a marca da generosidade de uma autora que aproveita suas oportunidades de fala pública para defender a adoção da leitura literária para todos, especialmente para crianças e professores. Outros dois aspectos generosos – que já apareciam nos outros livros de ensaios que precederam Silenciosa algazarra: o grande número de citações de outros autores, com cuidadosa aposição de notas de rodapé, o que permite aos leitores a consulta e ampliação de repertórios em torno dos assuntos trazidos por Ana Maria Machado em seus ensaios e o uso de exemplos da vasta obra própria sempre em prol de tentar compreender ou ajudar a compreender algum aspecto relevante para a melhora das condições de fruição de leitura literária, tradução de livros, ampliação de horizontes de milhões de possíveis novos leitores. Talvez o melhor fechamento para uma resenha crítica que louva a generosidade seja partilhar algumas palavras de Ana Maria Machado no ensaio “Barrados no baile”, um dos melhores momentos de Silenciosa algazarra:

"Só a possibilidade de leitura de literatura, distribuída pelo maior número possível de cidadãos, poderá reforçar a coletividade diante da manipulação do mercado, dos interesses políticos, dos fundamentalismos religiosos, da ambições pessoais de ditadores.
Sociedades que já são letradas há muito tempo têm anticorpos intelectuais mais desenvolvidos para enfrentar esses novos males. Sociedades menos acostumadas à leitura ficam muito mais vulneráveis e expostas. Aproximar as crianças de bons textos é também uma forma de fortalecer defesas e cuidar do futuro." (p. 44/45).

sábado, 9 de maio de 2009

Noite de lua cheia. Avenida Paulista. Deixo sem pressa o grupo que se desfaz. Agora faço parte de uma dupla que cruza a avenida e monta guarda num café. Lá fora a vida passa em grupos compactos: circenses, roqueiros, torcedores de algum time que deve ter jogado à tarde.A dupla se divide. Eu, Diadorim revelada, afundo em direção ao centro da terra, tomo o metrô. Em alguns minutos novamente o ar livre em territórios de mistério: o Cemitério do Araçá onde devem estar remotos parentes. O último desafio antes da segurança – tomar o táxi. Ficar ali dentro quieta e ser levada em minutos para casa. Saboreio, nos segundos parada no meio fio, o poder de encerrar pela simples vontade (e algum dinheiro) um dia que parece relutante em terminar. Faço sinal e o táxi para.
Cardeal Arcoverde cheia e o taxista de meia idade com cara de jagunço (atende pelo gentil apelido de Baianinho) me explica que no mundo é preciso de gente de todo o tipo - bons, maus, senão o mundo não poderia SER.
E que eu aprenda:as pessoas só sabem mesmo ser como são! (ok, aprendi e agora está até anotado aqui).
Ele, por exemplo, se livrara de um assalto na noite anterior.
Que eu - uma moça bonita e decente - tomasse cuidado, com São Paulo prestes a ferver no fim de semana com não sei quantos bandidos usufruindo indulto de Dia das Mães.
E sabia eu como ele se livrara do assalto? Não? Invocando sua amizade com Lampião. Sim, Lampião, um cara lá de Osasco que foi policial, mas agora (veja bem) tem uma firma de segurança toda legalizada, mas que também, paralelamente, organiza e patrocina assaltos dos mais diversos tipos.E não contente com tanta atividade é também justiceiro - mata por encomenda gente que considera bandida (quem seria exatamente essa gente?).
Não resisto: "Mas ele faz tudo isso assim, ao mesmo tempo"?
(Sim, a resposta é sim, o Lampião de Osasco faz tudo isso ao mesmo tempo, agora, sem nenhum conflito).
Mas a vida é assim. Ele, Baianinho, só se defende e se dá bem com o tal de Lampião - que no seu passado de polícia foi inclusive subordinANTE do filho dele, o Maurício, que é oficial...
Há semanas Lampião levou uma rajada de metralhadora - mas usava um colete à prova de balas igual ao do Collor e só ficou sem as pontas das orelhas (inusitado, não?), mas vai fazer cirurgia reparadora logo (que bom, eu estava preocupada com o aspecto Van Gogh dupla face que ele deve ter agora).
O Riobaldo em mim interrompe, a perguntar se ele acha que compensa...
"O que, moça,o colete salva-vidas igual do Collor?Compensa sim."
Não, se ele acha que o Lampião gosta da vida que tem, se o crime compensa, etc...
"Olhe moça, não é gostar nem que compense, é que não se pode fugir daquilo que se é. Do que se sabe fazer. A gente simplesmente não sabe viver doutro modo, eu não sei, você não sabe e o Lampião também não".
(Ahh! Lembro da minha mãe a escrever sobre a vida de Santa Teresa d´Ávila: “Nessuno puó fugire dal suo destino”. Será?).
Baianinho prossegue e afasta Santa Teresa, o destino e a minha mãe: eu deveria fazer o mesmo e agradecer a Deus ser bonita, perfeita e sendo tal perfeição - porque eu era perfeita se não sabia - ter pena dos criminosos e desviados de todo tipo. Entender que o mundo é assim mesmo e ter piedade(ok, acho que posso fazer isso, não parece assim tão complicado).
Agora vem algo difícil: Baianinho olha pelo retrovisor. Ele vai dar uma lição em Diadorim. Alguns rodeios verbais – vou aconselhar... me desculpe... vou falar... vou ensinar... algo assim (atenção): quando se é bonita e simpática é possível arranjar um marido. Custa um pouco (ah, é?), não é imediatamente, mas se arranja com certeza (hum) e, então, pode-se ficar em casa sendo "bonita, simpática e mulher de alguém" (assim mesmo, com essas exatas palavras). Aí, não é preciso se cansar trabalhando, pois claro que nenhum marido deixa a simpática beldade fora das suas vistas (Nossa!).
A conversa acaba porque moro em Pinheiros – e o congestionamento é módico para uma sexta-feira à noite.Morasse no Butantã, fosse outro o dia e talvez descobrisse o sentido da vida.
Chego a casa e penso que adoraria retomar Grande Sertão, mas, por motivo de força maior, vou ter que ficar mesmo com o Mestre Gil, terminar o Auto da Alma (posso aproveitar para tentar salvar a minha, já que parece que tenho dificuldades em entender o mundo tal qual ele é, em sua real natureza).
Mas ninguém pode ser diferente do que é – agora Diadorim abandona Mestre Gil e reabre o Rosa...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"Português Suave"

Era uma marca de cigarros de Portugal nas décadas de 50, 60, 70, quando se fumava ainda mais do que hoje. Agora é título de um dos muitos romances que tenho visto e que tematizam Lisboa, seus arredores, a vida dos lisboetas de classe média e média-alta. Muitos romances, todos com o mesmo tipo de capa, evocadora de um passado "dourado". Que mistério a abundância deste tipo de publicação que, pelo jeito vende muito (invarialmente um selo aposto às capas informa a edição ou o número de exemplares vendidos). Fotografei algumas das capas.Na propaganda de "Português Suave", que vi num jornal quando estive em Portugal em junho passado, se dizia "o livro para o seu verão". Por curiosidade olhei as datas das primeiras edições de alguns deles - parte realmente coincide com o verão... E normalmente têm número de páginas que aponta para a possibilidade de durar uma estação...uns verdadeiros tijolos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Encontro com Paulina Chiziane e Ondjaki - Violência e Literatura



A imagem é do encontro "Violência e Literatura", da noite de 05 de novembro, quando nos sentamos Paulina, Ondjaki e eu para uma conversa sobre a obra dos autores, sobre Moçambique, Angola e, claro, Violência e Literatura. Foi um dos pontos altos do encontro - que ocupou o Centro Cultural São Paulo por 4 dias de intensos debates.

sábado, 23 de agosto de 2008

Mais sobre o ENADE - a lista

Por sugestão da Ana Cláudia, posto a lista de livros sugeridos para o ENADE:

I - Poesia:
a) Castro Alves;
b) Manuel Bandeira;
c) Carlos Drummond de Andrade;
d) João Cabral de Mello Neto;
e) Mário de Andrade;
f) Cecília Meireles;
g) Jorge de Lima;
h) Ana Cristina César;
i) Camões (lírico);
j) Fernando Pessoa;
k) Baudelaire (As flores do mal).
I - Prosa:
a) José de Alencar - Senhora;
b) Aluísio de Azevedo - O cortiço;
c) Machado de Assis - Quincas Borba;
d) Guimarães Rosa - Primeiras Estórias;
e) Graciliano Ramos - Vidas secas;
f) Clarice Lispector - Hora da Estrela;
g) Jorge Amado - Capitães da Areia;
h) Lygia Fagundes Telles - As horas nuas;
i) Eça de Queiroz - O Primo Basílio;
j) José Saramago - Memorial do Convento;
k) Gabriel García Márquez - O amor nos tempos do cólera;
l) Júlio Cortázar - Contos completos;
m) Gustave Flaubert - Madame Bovary;
n) Miguel de Cervantes - Dom Quixote;
o) Émile Zola - Germinal;
p) Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) -
Mayombe;
III - Teatro
a) Ariano Suassuna - O santo e a porca;
b) Dias Gomes - O pagador de promessas;
c) William Shakespeare - Romeu e Julieta.

O que vocês acharam?

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Títulos do ENADE - poesia, prosa, teatro


Recebi a lista de livros para o ENADE. Surpresas boas: Literatura africana representada pelo angolano Pepetela no belíssimo "Mayombe"; Gabriel Garcia-Marquez com o belíssimo "O amor nos tempos do cólera"; uma das melhores obras de Saramago - "Memorial do Convento" e a poesia de Mário de Andrade. Mas achei duas grandes faltas: contemporâneos brasileiros??? (fora as duas ótimas escolhas de dramaturgia); e Mia Couto!
O título de Pepetela é maravilhoso mas está esgotado no Brasil - ainda - e deveria estar acompanhado por alguma obra do Mia Couto, reconhecidamente hoje o autor africano mais lido no Brasil.
Mas a lista é grande... e grandiosa - vamos conversar sobre ela?
(A escolha da imagem é "homenagem" à falta de escritores brasileiros contemporâneos).

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O beijo...



Histórias de pesquisadora I – O Beijo...
2002.Estava eu no meio de uma pesquisa – vida e obra de uma encoberta escritora e historiadora francesa que viveu e atuou (como atuou!) na Resistência Francesa (aquele movimento de repúdio a Hitler e todos os seus desmandos). O nome da corajosa: Edith Thomas. Depois de muita luta, ela se desentendeu com o pessoal do Partido Comunista – ao qual pertencia – e saiu batendo a porta e pisando duro. Escreveu romances, diários, contos, cuidou do Arquivo Nacional de História da França, e morreu completamente esquecida – mesmo na França. A descoberta de Edith Thomas chegou assim: minha grande amiga Cecília achou um livrinho pequenininho dela, de contos, por preço mínimo numa feira de livros. Traduziu. Mostrou-me a tradução e eu comecei a estudar e buscar informações sobre Edith Thomas. Pouca coisa, quase nada. Num belo dia descubro que a Biblioteca da Aliança Francesa da rua General Jardim, centro de São Paulo, poderia ter alguma coisa. Tomei nota das referências que consegui pela internet e lá fui. Abro a porta da biblioteca, chego ao balcão e vejo: a bibliotecária e atrás da bibliotecária “O beijo”. Sem conseguir falar, olhos grudados na foto, senti as lágrimas caindo, caindo, caindo. Contraste entre aquele arrebatamento na parede e todo o resto; contraste daquele arrebatamento vivo e da frase pronunciada por uma das personagens de Edith Thomas: “A felicidade seria para os outros, para o futuro talvez, não para ela, não para agora”;contraste de tudo daquele arrebatamento e da vida comezinha e deserta. E aquele momento de felicidade fixado na parede era de algum instante do passado mas, ao mesmo tempo, era intemporal.A fotografia atravessava as décadas e me atingia em cheio, numa tarde de chuva e frio, no balcão da bela biblioteca da Aliança Francesa,numa rua escura de São Paulo, há milhares de quilômetros e a dezenas de anos da Paris fotografada por Robert Doisneau. Agora, anos depois, mesmo ao descobrir que "O beijo" foi encenado, não esmaece a beleza e o impacto vividos naquele dia.Do futuro, falo com aquela moça do conto de Thomas e segredo, sabendo que ela nunca me ouvirá: "Ainda não para agora, ainda não para mim, infelizmente ainda não". Seco as lágrimas com o lenço de papel, encaro a bibliotecária com seriedade e volto à boa e velha armadura, que tanto me protege: "Por gentileza, estou a fazer uma pesquisa sobre Edith Thomas e encontrei em seu catálogo eletrônico..."

(Informações interessantes sobre esta imagem no blog do português José Carlos Abrantes, em http://educaimagem.blogspot.com/2005/04/o-beijo-robert-doisneau_26.html)